“O universal é o local sem paredes.” (Miguel Torga) "Escrever é um ato de liberdade." (Antônio Callado) "Embora nem todo filho da puta seja censor,todo censor é filho da puta." (Julio Saraiva)

sábado, 25 de dezembro de 2010

ANAMNESE

Mais que fazer
se desfazem

os anos que
por mim passam

Nem sei se levam
se trazem

o que depois
desenlaçam

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Domingos da Mota,
Vila Nova de Gaia, Portugal
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OFÍCIO DE NATAL

Da Estrela Guia não tenho notícia.
Mas sei que uma menina de 13 anos

- prenhe de um soldado -
deu à luz um menino na Praça da Sé.

(A criança morreu 15 minutos antes
da Missa do Galo.)

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

SEGUNDA CRÔNICA DE NATAL

"Hoje à noite é jovem; da morte, apenas 
Nascemos,  imensamente."

- Vinícius de Moraes, Poema de Natal -

Meus natais nunca foram felizes. Sempre tive tudo, é verdade. Mas jamais me apeteceram as festas natalinas.
Como já disse numa crônica anterior, nessas ocasiões eu me trancava no quarto. E era um deus-nos-acuda pra me tirarem de lá. Não queria comer, não queria presentes, não queria nada. Queria ficar a sós comigo mesmo. E eu tinha apenas seis anos.
Aos sete, por causa desse meu jeito, minha mãe levou-me ao psicanalista. Mas eu não falava com ele. Na mesa do consultório, eu improvisava um campo de futebol de botão e o cura-loucos ficava apenas me olhando, enquanto eu imaginava um estádio lotado e os craques do meu tempo fazendo mágica com a bola nos pés.
Quando fiz dezoito anos, respirei aliviado. Não tinha mais necessidade de ficar em casa, olhando a mesa farta de comida. É verdade que bem antes da maioridade eu não tinha mais o hábito de ficar em casa, já demonstrando um certo gosto pelo álcool. Foram dois anos interno entre os beneditinos. Quando saí, descontei tudo. Sempre fui movido a exageros. Até no exercício de amar. Hoje entendo porque sofro tanto.
Jornalista, escolheram-me para fazer uma reportagem de natal numa favela. Vibrei com a pauta.
Antes da meia-noite, lá fui eu, acompanhado do repórter-fotográfico Tarcísio Mota, meu fiel companheiro de andanças por este mundo-de meu-deus.
Foi na favela Ordem e Progresso, em Vila Prudente. A comunidade nos esperava. Havia uma mesa enorme, coberta de papel crepom, ao ar livre, o que proporcionaria aos cães do pedaço o direito de participação na festa.E eles agradeciam, abanando a cauda.
Uma senhora negra, com uma criança no colo, recebeu-me com um beijo na face. Depois, levou-me até o seu barraco e me deu um caneca com cachaça. Abriu uma garrafa de cerveja e começou a me contar sobre a rotina da favela.
A cerveja e a cachaça me foram servidas em canecas de alumínio que brilhavam. Nunca vi tanto asseio como naquele barraco humilde. Barraco humilde é redundância, né? Mas lá havia um presépio, feito de papelão. Com tudo o que há num presépio: a Virgem, o Carpinteiro,o Menino. Os pastores, os bichos. Os reis, com seus presentes: o incenso, simbolizando a divindade; o ouro, a realeza; e a mirra, a paixão anunciada. E tinha também o anjo, em cima do telhado da manjedoura, com a faixa: "Glória a Deus nas alturas." À distância havia um carro da polícia, pronto para qualquer emergência.
Quando saímos para a rua, na hora da ceia, a batucada comia solta.  Algumas pessoas estavam bastante bêbadas. Mas era uma bebedeira santa e feliz. Sem confusão.Uma bebedeira de quem sofria o ano inteiro e, naquele momento, tinha um momento raro de felicidade. Por dever de ofício, eu não podia ficar bêbado, embora tivesse vontade. Uma menina me chamou de menino bonito. E acho que eu era mesmo.
Serviram frango assado, porque não havia dinheiro para o peru, farofa e muita maionese com batatas, porque entope mais depressa. Pobre adora maionese.
As crianças se contentavam com bolas de futebol de plástico e bonecas baratas, oferecidas por um empresário da região. O olhar do Menino Jesus estava no olhar de todas aquelas crianças. A pureza da Virgem e a humildade do Carpinteiro habitavam nas mulheres e nos homens. E eu, que nunca cri no Natal, senti uma coisa na minha garganta. Meu amigo fotógrafo olhou para mim e brincou:
- O repórter duro está chorando?
Não quis dar o braço a torcer e respondi que talvez fosse efeito da bebida.Mas não era.
E comecei a puxar da memória os natais antigos em família. Até constatar que ali, naquela favela, eu vivi e passei o único Natal feliz. O único - até hoje.
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

NOTURNO DA RUA MARTINIANO DE CARVALHO

um poste calado
em sua dura solidão
de poste

uma calçada ador-
mecida em seus
buracos

uma igreja fechada
sem ouvidos para
orações ou milagres

um casal em de-
lírio que se ama
no muro

um latido de cão
um carro que
passa

um homem trôpego
que sonha navios
perdidos no mar

uma lua no céu
sem nenhuma
importância

um segundo homem
andrajoso que insiste
em viver

(de bicicleta a morte
passa assobiando um
samba-canção)

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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terça-feira, 21 de dezembro de 2010

IMAGEM

na surdina
o luar
masca o mar
de
madagascar

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sábado, 18 de dezembro de 2010

PEQUENA HISTÓRIA DE UM NATAL URBANO

na antevéspera do natal
durante uma batida da polícia
no centro velho de sampa
o menino jesus foi preso
fumando uma pedra de crack

- sabe com quem tá falando?!
vociferou o menino jesus
- sou o filho de deus
o policial se riu
e aplicou um tapa
no rosto encardido
do menino jesus
e mesmo ele sendo menino
meteu-lhe as algemas nos pulsos

- sou o filho de deus
repetiu o menino jesus
na delegacia

o delegado estava bêbado
e ficou furioso
e mesmo sendo um menino
o delegado mandou
que trancassem o menino jesus
numa cela comum
com presos adultos & perigosos

os presos adultos & perigosos
curraram o menino jesus
mesmo ele se dizendo filho de deus

na noite seguinte
para desespero de seus pais
maria & josé - ele carpinteiro desempregado
o menino jesus
não apareceu para a missa do galo
onde devia nascer de novo

o anjo não pode abrir a faixa
onde se lia
"Glória in excélsis Deo"
o menino jesus também
não compareceu à ceia
organizada pela comunidade da
favela heliópolis

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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ESTE PRAZER É APENAS DELES DOIS

este prazer
é apenas deles dois
quando ela tira todos
os mistérios da boca
e é tão maçã para ele
comer.

este prazer é
deste macho e desta
fêmea toda vez que ele
escreve no corpo
dela a poesia
que o desejo
bordou no
lençol cheio
de vozes.

este prazer
sou eu morrendo
(agoraesempre)
de manhã
com você.


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Karla Bardanza
Rio de Janeiro, Brasil

INSATISFAÇÃO

O poeta sente as palavras ou frases como coisas e não como sinais, e a sua obra como um fim e não como um meio; como uma arma de combate."

Jean-Paul Sartre

A munição não é apenas balas e bombas.
Disparo palavras a esmo, combato a mim mesma
numa luta insana. Todo dia, enfio a faca
no peito para sangrar poemas e sentir
as coisas que permanecem imutáveis.
O efeito é mais do que estético:
a dor é catártica, é necessária.
E quando tudo termina, olho o papel
insatisfeita, procurando a melhor metáfora,
a emoção singular das letras,
e nunca consigo ser poeta.
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Karla Bardanza,
Rio de Janeiro, Brasil
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ADVENTO

Antecipo-me à morte anunciada
Num advento omisso de natais
É só o reflexo da minha fé cansada
De blasfémias de tantos carnavais

É farto o perú de tantos recheios
Na consoada rica e enfeitada
Lá fora uns olhos comem cheiros
que exalam da chaminé dos telhados

E há muita fome enquanto reza a missa
E o galo canta as 24 badaladas
O olhar triste da freira clarissa
A contrastar com a igreja engalanada

Não há menino num berço de palha
Mas há meus senhores...
Muita pobreza envergonhada!

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Maria Fernanda Reis Esteves,
Setúbal, Portugal
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DIÁRIO DE BORDO

1.

nada sei de ventos
nunca viajei de navio

meus naufrágios todos
foram sempre em
terra firme


2.

este nó de marinheiro
dentro do meu peito
que a cada dia me sufoca mais
já nasceu comigo

por isso
nunca vou conseguir
desatá-lo

3.

desejo
navegar até
que os ventos
se cansem

4.

marinheiro sem mar
divirto-me
preparando tempestades
para
a última viagem

5.

agora é tarde
meu navio não tem
mais volta

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

QUADRAS ESCRITAS NO BAR NUM DIA DE CHUVA

cantiga do meu silêncio
fumaça do meu cigarro
augusto dos anjos disse
:beijo véspera do escarro

****

ao concluir seu moisés
michelangelo gritou: -parla!
eu metendo as mãos pelos pés
em silêncio grito: - karla!

****

meu bem a mal não me leve
meu bem não me leve a mal
que a vida é muito breve
só bebo depois do natal

****

passo horas viajando
países num velho mapa
e assim amor vou levando
a minha vida no tapa

****

upa upa upa upa
upa upa cavalinho
um fantasma na garupa
um defunto no caminho

****

beijei a moça no muro
bem-te-vi cantou que me viu
ah bem-te-vi dedo-duro
vai pra pura que te pariu!

****

de mim tenho muito orgulho
também faço muito gosto
diabo me chamo júlio
mas fui nascer em agosto

****

beija-flor discutia
com um filhote de anu
ambos queriam saber
se borboleta tem cu

****

era uma vez uma moça
que contrariou iemanjá
depois de cortar os cabelos
virou espuma do mar

****

-meu reino por uma virgem!
ingênuo o reizinho bradou
perdeu o reino e a coroa
porque nenhuma encontrou

****

pois assim foi que drummond
morreu como passarinho
mas eternizou a pedra
bem no meio do caminho

****

estas quadras pobres quadras
umas até bem sem graça
todas elas foram feitas
sob efeito da cachaça

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Júlio Saraiva,
São Paulo,Brasil
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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

SONETO DA TOTAL INDIFERENÇA

despida/disposta a morte gargalha
e bate na porta do pesadelo
brilha tão cego o fio da navalha
minha loucura cultivo com zelo

com calma costuro minha mortalha
à vida não faço nenhum apelo
e assim não sendo que deus não me valha
caminho só não preciso de tê-lo

se nada me assusta nada me assombra
conto os meus dias na ponta dos dedos
a golpes de pau matei minha sombra

e foi que enterrei todos os meus medos
venha temporal meu barco não tomba
à merda se faço versos azedos

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

ARS POETICA

I

o rato
roeu
a rima

*****

II

meu desequilíbrio
me mantém
em pé

*****

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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MÁRMORE

A beleza pálida das antigas noivas mortas...

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

RONDÓ

era uma vez um conto
sem vírgula sem ponto

era uma vez uma dama
dona de tamanho encanto
que sempre quando passava
o dia mesmo sem sol suspirava
e o riozinho manso manso
se arriscava a ensaiar um canto

era uma vez um conto
sem vírgula sem ponto

era uma vez uma dama
dona de tamanho encanto
que até mesmo os girassóis
para nosso espanto
arrancavam as próprias pétalas
para tecer-lhe um manto

era uma vez um conto
sem vírgula sem ponto

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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terça-feira, 7 de dezembro de 2010

RAPSÓDIA

um pequeno descuido foi suficiente
:ela escapou
equilibrando-se na última linha do poema
rodopiou sobre a mesa na pontinha dos pés
desceu as escadas
entrou no porão
e se trancou para todo o sempre
no baú das coisas inúteis

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

ELEGÍACO

Quintais envelhecidos
Rastros varridos pelo vento
Resíduos de janeiros nas janelas
As lembranças

Paredes pálidas descascam segredos
Caras guardadas em caixas de sapatos
Um fio de eternidade em cada objeto

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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terça-feira, 23 de novembro de 2010

Canção de Amor

"Porque foste na vida
A última esperança
Encontrar-te me fez criança
Porque já eras minha
Sem eu saber sequer
Porque sou o teu homem
E tu, minha mulher
Porque tu me chegaste
Sem me dizer que vinhas
E tuas mãos foram minhas
Com calma
Porque foste em minh'alma
Como o amanhecer
Porque foste o que tinha de ser."

letra do poeta vinícius de moraes com
música do maestro tom jobim



e asssim nos vamos descobrindo
como a criança adivinha seu brinquedo
achando todo dia dia lindo
desnudo-te achando que ainda cedo
beijo teus pelos e o teu rosto menina
e me perco sem vergonha em cada esquina

e cada vez estamos tão mais perto
dos deuses, em passos cegos de luz,
a noite suave desce para desvendar
todo o nosso infinito e eu, calada,
e com tua alma em minhas mãos, te fito.



julio saraiva e karla bardanza

Tu e Eu

Tu e eu
Somos feitos
De tempestade
: nossas chuvas são
Apenas lirismo e toda
A solidão faminta.

Teus graves rituais,
Tuas palavras de mãos dadas
Com os sinônimos, eu sou
Paisagem cansada, tu és
Apenas ânimo.

Debruço para ler
Teu coração sempre inédito
E reatualizado, belo na
Utopia que me renasce
E tomo uns goles de ti,
Brindando a poesia que
Escorre pelos teus olhos.

Tuas serenatas
Quase me eternizam
E me deixam fraca.
Despejas teu coração
E eu tão nublada, chovo.


Tu és a graça
Que não consigo encontrar
Em mim, a ponte enluarada
Suspensa entre a poesia
E o marfim.

Para você,
Guardei pavê e ambrosia,
Todas as letras da fantasia,
Mas quase não sei dar vida
A tudo. Algo em mim
Nasceu mudo.

Então,
Fique comigo
Na ponta do meu iceberg
Ou no olho do melhor
Tufão. Não digas nada.
Apenas segure a minha
Mão.

Karla Bardanza


Para você Ju.

domingo, 14 de novembro de 2010

APOLOGÉTICO

com os ferros
dos mistérios
deus fere os
hemisférios

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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domingo, 7 de novembro de 2010

PARA SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESSEN

"Com a voz nascente a fonte nos convida
A renacermos incessantemente
Na luz do sol nu e recente
E no sussurro da noite primitiva"

(de um poema de sophia)

não devias morrer agora sophia
ainda não atravessei o mar
ainda não beijei teus olhos verdes
não segurei tuas mãos em conchas
mas esqueci meus poemas de amor
no entanto dormes sophia
e já não és mais uma mulher
mas uma criança
porque a morte nos dá o direito
do retorno à infância
cheiras à calmaria
pena que todo tempo seja breve
anunciam-te morta
não não não sophia não estás morta
estás apenas preparando
um poema para a eternidade
mas ninguém percebeu isso

enquanto dormes agora

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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SONETO

Por que este verbo dito no passado?
Ah, sobejos! Ah, cinzas do que fomos!
A noite a nos oferecer os gomos
O tempo sempre a nos olhar de lado.

O gesto oculto a despertar assomos
Do crime prestes a ser perpetrado;
O olhar covarde, por fim, debruçado
Sobre os retratos que hoje já não somos.

Que nos resta agora senão ver passar
A fria procissão dos nossos ossos?
O cortejo marcha, marcha sem parar...

De repente, saído dos destroços,
Vem um deus antigo, louco, a resmungar:
- Ai pecados meus! Ai pecados vossos!

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

RECREIO

na parede do quarto
a lagartixa traça centenas
de arabescos
o silêncio
- por brincadeira -
apaga
risco por risco
depois
aproveitando-se de si mesmo
corre
e desenha um enorme ponto de exclamação
no ar

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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domingo, 31 de outubro de 2010

QUASE POEMA

este eu dedico para sofia costa madeira, minha amiga portuguesa


a poeta hilda hilst
cercada de seus cães
lia poemas de amor na sala
sem que ninguém a entendesse

a poeta ana cristina cesar
atirava-se do 7° andar
do apartamento onde morava
no rio de janeiro
(tinha só 31 anos
e era linda
:morreu sem saber que foi
meu amor platônico)

o poeta álvaro alves de faria e eu
bebíamos conhaque vagabundo
no bar costa do sol
na rua 7 de abril
em frente à redação do diário da noite
onde trabalhávamos
e que hoje não existe mais


era outubro de 1983

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sábado, 30 de outubro de 2010

QUADRINHA À MODA DE FERNANDO PESSOA

nasci homem marcado pelo tédio
nenhuma solidão vai dentro de mim
pois solidão meu bem não tem remédio
só sei contar os dias do meu fim
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Júlio Saraiva,
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sexta-feira, 29 de outubro de 2010

SERENATA

suavelira
lucidaflormusicalma
ternuraminhamargurada
sustenidaurora
estreladormecida
serenamusa

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Júlio Saraiva,
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terça-feira, 26 de outubro de 2010

POEMA DESNECESSÁRIO

"Enquanto não dou fim a tudo
Me submeto à própria vontade de existir
Como se tudo fosse normal."

Do poema Auto-Retrato, do meu amigo Álvaro Alves de Faria,
dedicado, por acaso, a mim.



do 7° andar do prédio onde moro
penso num voo
sem paraquedas
mas morro de medo de altura
ontem avistei de novo a menina
nos seus 12 anos
andrajosa
o ventre já avolumado
uma tarde ela me pediu dinheiro
pra comprar um pão
melhor eu criar coragem e dar fim a tudo
vida de merda
país de merda

-alguém pode me emprestar
uma gilete?!

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

RAPIDINHO

p/a bel

sou a única personagem das minhas histórias
por isso nunca me atrevi a escrever um romance
meu medo maior é que vou me matar no fim

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quarta-feira, 20 de outubro de 2010

VÔMITO

ando meio esquecido de mim
ontem
sem querer me matei
com um copo de veneno
tive o cuidado de escolher
o melhor raticida
pensei em incendiar o apartamento
mas o síndico podia não gostar
como as lágrimas eram poucas
achei por bem voltar à vida
por que sofres tanto assim menino júlio?!
o dia lá fora é azul
puta que pariu por que sofres tanto assim?!
antes tivesses ficado no túmulo
junto aos teus mortos
qualquer lágrima vale uma morte

puta que pariu
por que sofres tanto assim menino júlio?!

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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terça-feira, 12 de outubro de 2010

soneto de Vania

"Foi assim que da minha infinita tristeza
Aconteceu você...
Em você aprendi a razão de viver
E de amar em paz
E não sofrer mais
Nunca mais...
Porque o amor é a coisa mais triste
Quando se desfaz
(Sim, o amor é a coisa mais triste
Quando se desfaz)"
(Letra do poeta Vinícius com melodia do maestro Jobim)




em você me perco
em você me doo
em você me cerco
em você perdoo

em você eu peco
se a rima é a toa
em você me seco
no meio da garoa

em você sou homem
seu filho e amante
quando cinzas me consomem

de cinza tão distante
em você me morro
ah, vamos adiante!

Julio Saraiva

Garrincha (Julio Saraiva)

antes de agarrá-lo e colocá-lo no papel
sumia como uma miragem
esperei a noite toda
como se fosse meu primeiro encontro

se meus olhos vêem
minhas mãos sabem fazer
(onde nada demora a correr)

cheiro verde e quentro
não crescem em árvores
como a luz matinal
tocando a lata esverdeada
o sol escalando lentamente a montanha

envolve as rochas como manto
as ovelhas brilham como pérolas
vejo um Garrincha no seu olhar
(é quando o milho amadurece)

uma voz fina e clara
como a corda de um violino
a melodia dos passos
dos versos prateados
que ao som do violino
mantém o compasso

(os ventos todos se apaixonam por ti)

Vania Lopez

Esse poema nasceu em homenagem
ao querido Julio Saaiva

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

NAS NUVENS

penso
pessoas como pássaros

espio
as espirais magras
do meu cigarro
e imagino nuvens

antigamente
naquele lugar bem alto
ficava o céu

(minha avó
me dizia que deus
morava dentro dele)

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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terça-feira, 5 de outubro de 2010

UM DIA

ao eduardo roseira, poeta e irmão

"Me dá só um dia
Não mais que um dia
Que eu faço desatar
A minha fantasia...
Só um santo dia..."

-Da canção de Chico Buarque e Ruy Guerra, para a peça
Calabar Ou O Elogio à Traição, proibida, na época, pela
censura.


o dia por si é só o dia
e já não pesa em nossas costas
por ser só o dia

o dia
um dia
basta um dia

por isso é só um dia
podre como todos os dias
daqui
do outro lado do atlântico
onde meninas apodrecem de síficilis e aids
os os homens se riem com poucos dentes na boca
e as crianças têm fome e frio

o que escrever numa cruz de sal?

já não me faz mais gosto
olhar a moça bela
da janela

pra me mim basta um dia

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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domingo, 19 de setembro de 2010

DESGRAÇA POUCA É BOBAGEM OU DEUS É BRASILEIRO

4 aluguéis vencidos
condomínio meu deus nem pensar
(despejo batendo na porta)
despensa vazia
telefone cortado
2 contas de luz atrasadas
relógio de pulso - lembrança do pai - penhorado
16 promessas de emprego
1 dente da frente quebrado
(maldito torresmo de bar)
angina pectoris
:a fila no posto é grande
e médico também não há

ô meu deixa pra morrer mais tarde
sábado tem loteria
mas se não calhar
a ponte das bandeiras
é aqui perto - dá pra ir a pé

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júlio

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

ORAÇÃO EM FORMA DE POEMA AO POETA FERREIRA GULLAR, NOS SEUS 80 ANOS

I

a vida tem cheiro?
o poema tem cheiro?
qual a cor da palavra bomba?
"Enquanto o mar bate azul em Ipanema..."
(ou no Leblon)
os tambores de São Luís acordam o dia
acordam o menino Periquito
que se descobre na quitanda do pai
e mija na Fonte do Bispo
mas se redescobre entre caixotes
a ler Y Juca Pyrama sem saber
que muitos anos depois viria o Poema Sujo
-tão Maranhão como nunca- parido palavra por palavra
no exílio em Buenos Aires
o menino Periquito
exilado em Buenos Aires
o filho de Dona Alzira
nascido José Ribamar Ferreira na rua dos Prazeres
o menino Periquito no Centro Cultural Gonçalves Dias
na Igreja de São Pantaleão
ou na Baía de São Marcos onde El-Rey Dom Sebastião
foi habitar saindo vez quando na noite
para visitar moças donzelas no escuro de suas alcovas
à falta da pílula as moças emprenhavam de El-Rey

II

vi o poeta Ferreira Gullar de perto (ou quase) duas vezes
faz mais de trinta anos
a primeira foi no campus da USP
durante um ciclo de palestras que a universidade promovia
o poeta não mudou nada
(só eu mudei)
ele é o mesmo que hoje vejo em aparições na tv
nas fotos dos jornais e revistas
os cabelos lisos e brancos
divididos ao meio
caindo pelo rosto (os ossos do rosto salientes)
gullar quando da primeira vez que o vi
havia voltado do exílio
Santiago do Chile
Moscou
Buenos Aires
- tantas pátrias para um homem que só sabia ser brasileiro -
vínhamos de uma geração esmagada
pisada pelos coturnos da ditadura
nossos diretórios e centros acadêmicos fechados
quando ele disse o Poema Sujo eu chorei
como podia podia uma voz tão forte sair daquele corpo franzino?
queríamos que ele autorizasse a publicação do poema
DENTRO DA NOITE VELOZ
em homenagem a Che Guevara
no nosso jornal literário rodado num mimeógrafo
da faculdade à revelia do reitor
foi a poeta Vera Torres - moça de rosto bonito e versos curtos -
quem se dirigiu a Gullar
o pedido de autorização era só um pretexto
para nos aproximarmos dele
tornei a vê-lo mais tarde no Rio de Janeiro
durante o carnaval
no desfile de escola de samba
ele tinha um copo de plástico na mão
a bateria da Unidos de Padre Miguel era forte
para que eu me aproximasse dele
uma tarde tive a impressão de cruzar com ele
na agitada rua 7 de Abril
mas acho que foi só impressão
miragem

III

a poesia meu caro
não conhece o tempo
a poesia principalmente não tem tempo
para pensar no tempo
a poesia constrói e conduz a seu modo o seu tempo
a poesia dispensa abraços e cumprimentos
mas a poesia também permite
que eu me sente a seu lado Poeta
na mesa de um bar qualquer
pode ser em São Luís
diante de uma travessa de arroz de cuxá
pode ser em Paris
Bucareste ou Belém do Pará
na Rocinha na Mangueira
em Vigário Geral ou Copa
em Botafogo ou Madureira
sem sair do meu quarto
atento a seus livros
como se estivesse a ler em seus olhos
poemas que eu queria ter feito
a palavra Liberdade que eu queria ter dito
como se eu estivesse preso com você
na mesma cela imunda
na Vila Militar
naqueles dias escuros
onde penso suas palavras
escritas em maços de cigarro
onde imagino um barulho infernal
saindo de bocas quietas
se assim foi ou não foi Poeta
fica sendo
hoje a noite tudo pode
hoje a noite nada contesta
que esta noite faça barulho
que a noite faça sua festa

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quarta-feira, 8 de setembro de 2010

ESSAS MULHERES: A POESIA DE ADRIANE BONILLO, EUNICE ARRUDA E MARTHA MEDEIROS

MAIS MERIDIONAL

Adriane Bonillo

Há um frio me prendendo nas partes tenras
a segunda parte me gruda à geleira
Minhas botas de pedra polida
afundaram na areia aberta

Não sou mais de terra

tenho endurecido no uivo do frio
tenho emudecido
tenho medo do vítreo
e uma neve imunda corta-me o cio
desde os eixos torcidos dos olhos

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TAREFA

Eunice Arruda

cabe agora
morrer o corpo

dia a
dia ir

me desacostumando
do rosto
que eu chamava meu

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CORTE E LASER

Martha Medeiros

ela disse:
olha, se você quiser
faço uma massa que só eu sei
compro um vinho chocante
e durmo na sua casa esta noite

ele disse:
prefiro encomendar uma pizza
e assistir ao jogo do Grêmio
sozinho
______________

As poetas:

Adriane Bonillo e Eunice Arruda,
São Paulo, Brasil
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Martha Medeiros,
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil
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segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O VINHO NA POESIA DA PAULISTANA RENATA PALLOTTINI (*)

A BORDO DA ALMA

Esse vinho, esse vinho, esse vinho vadio!

Reteso a alma no avião de prata
que vai furando o espaço como um bicho.

Se bebêssemos todos, todo o tempo,
que delícia seria!
Sem problemas de fígado,
sem problemas de culpa
sem problemas de medo
sem problemas de vício.

A vida vindo a ser o que devia:
absolutamente agora
sem nenhum
outro dia.

_________

DE MADRUGADA

A vida é muito dura
pra se levar a seco.
Se os índios mascam coca
sabem eles.

Preferes Coca-Cola?
Preferes o dinheiro?
Preferes fazer compras?
Preferes a vitória?

A gente bebe vinho
e é bom, de madrugada.

É o que se pode fazer
quando não se pode fazer nada.

________

AUSÊNCIA

O vinho verte ouro sobre o mar.
Bebe. O corpo é de estanho. Estão distantes
os limões e as azáleas de tua casa
as dores do passado e do presente.

Nada morreu, ninguém partiu e tudo é mel do Himeto.
Esta explosão de fogo não é mais do que o sol.
Bebe. O vinho tem força de delírio
e cura como o aroma dos pinheiros
das idades antigas.

Eu te amo no vinho
te amei na embriaguez.
Bebe. Hoje, como sempre,
amar é a primeira vez.

_________
(*) Todos os poemas foram tirados do livro
Esse Vinho Vadio (Massao Ohno Editor, São Paulo,
Brasil,1988).


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Renata Pallottini,
São Paulo, Brasil
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domingo, 5 de setembro de 2010

SONETILHO TORTO COM FLORES DO MAL

tiradas do quintal
flores que deste
eram flores do mal

pensando perfume
aspirei veneno
ah mundo pequeno!
faca de um só gume

cega de ciúme
no escuro pleno
vi a estrela vênus
falecer sem lume

do quintal tiradas
deste-me só flores
amaldiçoadas

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sábado, 4 de setembro de 2010

TAMBÉM FUMO DO MEU CIGARRO

Ao Mário Osorio

irmão - também fumo do meu cigarro
há anos pratico autodestruição
vim do barro devo tornar ao barro
muito bem guardado dentro do caixão

caso eu apareça não te assustes não
fantasma bom não deve ter pigarro
nem mesmo tosse seguida de escarro
que sempre causa certa má impressão

mas talvez dos dois me sobre um pulmão
prova de que na vida ainda me amarro
dá-me um cigarro isqueiro tenho à mão

fumo e vou em frente a viver de sarro
pouco se me dá se estou na contramão
pobre sigo a pé por faltar-me o carro

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sexta-feira, 3 de setembro de 2010

CONSELHO (NÃO CARTA) A UM JOVEM POETA

não perca seu tempo menino
poesia é luxo besta
não dá camisa a ninguém
não traz dinheiro
poesia é doença
dizem não ter cura

não perca seu tempo menino
poesia não enche barriga
poesia é vício
fábrica de suicidas

não perca seu tempo menino
ingresse na vida pública
vá ser juiz de direito
ainda que você ande torto
seu futuro estará garantido
dentro da toga a consciência
é o que menos importa

se não der certo na política
vá vender terreno na lua
em marte talvez plutão
case constitua família
faz muitos filhos na sua mulher
aumente a população
deste mundo de bosta

e se ainda assim não vingar
entre para um convento
terá casa e comida de graça
e a graça não lhe vai faltar
os poetas são seres perdidos
não perca seu tempo menino

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quinta-feira, 2 de setembro de 2010

MAÇÃS ARGENTINAS

meu irmão
que dorme na calçada
com a cara enfiada
numa caixa de maçãs argentinas
calça sapatos gastos
de caminhos percorridos
por outros pés

meu irmão
que dorme na calçada
com a cara enfiada
numa caixa de maçãs argentinas
não sonha com maçãs argentinas

meu irmão
que dorme na calçada
com a cara enfiada
numa caixa de maçãs argentinas
não sonha com nada
apenas descansa um pouco
do pesadelo diário

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quarta-feira, 1 de setembro de 2010

ELEGIA QUASE DIDÁTICA PARA UM PAÍS QUE UM DIA PERDEU SEU RUMO

minha rua era um rio sem água
que terminava na esquina
onde o bonde fazia ponto final
meu avô português discutia
com o fiscal espanhol
quando discussão acirrava
os dois faziam pausa
davam uma espécie de trégua
e concordavam que salazar e franco
eram lixo do mesmo saco
putas da mesma zona
(morte aos dois): o brasil
era um país abençoado - diziam
e tudo acabava bem
em risadas e copos de macieira
meu avô português e o fiscal espanhol
até que chegou 1964
e os militares desabençoaram o brasil
filhos da puta!
foram juntar-se a salazar e franco
no mesmo saco de lixo

só eu menino sabia que minha rua era um rio
sem água
sem barcos
sem peixes
sem a mãe d'água também
e portanto não ia dar no mar
a menos que a minha imaginação quisesse
aí sim o mar aparecia salgado e os poucos carros
que trafegavam viravam navios imensos
e iam juntar-se aos outros que eu inventava
eu não sabia de salazar
eu não sabia de franco
eu não sabia de putas
eu não sabia o que estava acontecendo
no meu país em 1964
e embarcava num desses navios
atravessava o atlântico e aportava noutras terras
porque nos meus 8 anos era permitido sonhar

quando os bondes deixaram de circular
o fiscal espanhol nunca mais apareceu
meu avô português morreu atropelado
perto da minha rua que era dele também
mas o rio tinha sumido
e os carros não viravam mais navios
nem a minha imaginação me levava
ao outro lado do atlântico
o brasil desabençoado tornou-se um país doente
e a propaganda do governo
espalhada por todos os cantos dizia:
"AME-O OU DEIXE-O"
"AME-O OU DEIXE-O"
"AME-O OU DEIXE-O"

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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terça-feira, 31 de agosto de 2010

DOIS POEMAS DE LUPE COTRIM (1933-1970)

QUANDO ESTOU NATURAL

Quando estou natural
é que posso sentir-me
intimamente ligada
à vida.

Quando estou desprevenida,
- pés de água e de terra -
o corpo todo em contato
a caminhar erguido
e penetrado na atmosfera.

Compreendo, porque sinto
e depois penso:
- Não corrijo as sensações -
apenas as configuro
e lhes dou sentido.

Nenhuma vastidão me estreita
ou intimida;
com o natural em tudo,
numa entrega sem medida,
nos meus pés de água e terra
no meu ser de amanhã
- Eu existo a minha vida.


SONETO

"Transforma-se o amador na coisa amada"
- Camões -

Se anunciada foi vossa partida
e por clarins de lírios proclamada,
se sangrais nessa ausência minha vida
que o vosso ardor retém aprisionada;

se em vosso ser eu vejo-me represa
- livre corrente em posse perturbada -
se soubestes ao ver-me derrubada
erguer em mim a vossa fortaleza,

como quereis, senhor, que eu me liberte
só porque desejais assim partir
a uma nova paixão que vos desperte?

- Quiseste que eu tivesse a vossa crença
e me exigistes tanto ao possuir,
que eu sigo junto a ser vossa presença.

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Lupe Cotrim,
São Paulo, Brasil
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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

MANINHA

- Para Lenora -


à falta do que fazer
me escreva
:coisa rápida
não mais que duas palavras

à falta do que inventar
me invente
:coisa simples
somada à minha loucura
acrescente
aquilo que lhe parecer melhor
uma ruga na testa cai bem

à falta do que matar
me mate
:coisa prática
revólver dágua bomba de inseticida
bola de chiclete sanduíche do mcdonald's

à falta do que sentir
sinta saudade minha maninha
e me mande um beijo
:coisa boba
nem que seja um beijo
de cartão postal

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sábado, 28 de agosto de 2010

TEOFAGIA

"De devoções às tontas livre-nos Deus..."
- Teresa de Ávila -

Deus
todas as noites
me visita.

Mas
tudo é tão depressa que
quando menos espero
caio
em mim
novamente

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sexta-feira, 27 de agosto de 2010

PERFIL DE UM MAU JOGADOR

tenho nos lábios um sorriso falso e falho
isto é só detalhe do que a má jogada traz
por ser longo o caminho preferi o atalho
mas havia tantos lobos - eu não fui capaz

então apostei o quase-nada que valho
tirei o rei de espadas quando queria o ás
sem nenhuma habilidade com o baralho
e também sem sorte não pude voltar atrás

recuar não recuei - e segui em frente
perdendo nas esquinas o muito que eu tinha
apólices ouros dinheiros roupas dente
e pior: uma ruiva que não era minha

somemos a isso tudo a própria vergonha
coisa que diz pouco pra quem ainda sonha

26-08-10

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

MODINHA OU NO CAMINHO DE DRUMMOND

eu queimei o tempo
como quem brinca de roda
como quem joga pedra
no telhado do vizinho
eu queimei o tempo

eu me afoguei na lua
astronauta sem vocação
fui procurar são jorge
só encontrei o dragão
eu me afoguei na lua

eu dancei com a dama de paus
num baile de debutantes
mas antes do fim do baile
a dama desencantou
eu dancei com a dama de paus

eu fui poeta aos vinte anos
quando todo mundo é poeta
pensava um sorriso de moça
e a poesia me vinha no ar
eu fui poeta aos vinte anos

eu queimei o tempo
eu me afoguei na lua
eu dancei com a dama de paus
eu fui poeta aos vinte anos
eu fui e fiz tanta coisa
que hoje me dá pena lembrar

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

AVE, MEU POETA!

entre o riso & o risco
sou mais o risco
e rabisco o poema
feito de palavras cegas
diante da luz do refletor deste palco

o ar que me escapa das narinas
provoca incêndios azuis
mas os danos só serão contados
no dia seguinte quando os mortos
vierem dar queixa dos bens desaparecidos

se me for possível escolher prefiro
o trapézio ao tablado porque
o perigo é sempre maior
& os aplausos mais calorosos

a convalescença da morte por queda
é mais lenta - por isso vivo em estado de voo
& de cara limpa & sem medo
á queda livre me entrego

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sábado, 21 de agosto de 2010

TESTAMENTO

quero deixar-te essas noites
nos meus bolsos escondidas
são o resumo das minhas
sete mil e tantas vidas

também vou deixar-te as rimas
dos versos que não escrevi
anotações de viagens
por lugares que nunca vi

deixo-te trajes de gala
aqueles que nunca usei
meu chapéu de aba puída
coroa de quando fui rei

minhas mentiras te deixo
pra que não precises mentir
a verdade vai comigo
a ninguém interessa ouvir

também deixo-te a cadeira
ainda ontem meu lugar
minhas dores jogo fora
essas não te quero deixar

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quinta-feira, 12 de agosto de 2010

KYRIE ELÉISON

sem terra
sem trigo
sem pão

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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domingo, 8 de agosto de 2010

ELEGIA A MEU PAI

Foi preciso conhecer o mar
Buscar a estrela desencontrada
Envelhecer um pouco
Dar um tempo ao tempo

Foi preciso reinventar um anjo
Acreditar na chuva
Não escovar os dentes
Naquela sexta-feira

Foi preciso viajar cidades
Nunca visitadas
Assassinar mulheres
E sonhar um filho

Foi preciso não fazer a barba
Anoitecer calado
Espantar o sono
Investir no nada

Foi preciso desfazer as malas
E desfazendo as malas
Te saber ausente

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quinta-feira, 5 de agosto de 2010

CANÇÂO DO POEMA INÚTIL

ao Domingos da Mota, meu amigo

"Morreram todos a bordo, mas o barco persegue o intento que
desde o porto vem buscando."
- Seféris, com tradução do grego do poeta José Paulo Paes -

não me seduz mais caminhar entre mortos neste teatro vazio
as palavras estão gastas como as minhas sandálias de couro cru
não quero mais percorrer essas ruas sem saída
as feridas que trago nos olhos não cicatrizam mais
deixei para trás as esquinas que carregava comigo
herança de madrugadas inúteis
esqueci também a mulher que me esperava com um sorriso
e um por-de-sol nas mãos muito brancas
preciso respirar noutro porto
este aqui não me serve mais: meu navio naufragou - poucos se salvaram
não preciso de sorrisos enviados em garrafas
se não ancorei onde pretendia foi por não conhecer a intimidade dos ventos
os ventos me enganaram
deixei-me trair por uma bússola que pensei existir na palma da minha mão
o norte no entanto era outro e eu não consegui dicifrá-lo
em compensação ainda estou vivo
e não sinto mais nenhuma necessidade do poema

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quarta-feira, 4 de agosto de 2010

ANA BOTAFOGO

pernas param no ar
como um delicado par de asas
gestos costroem azuis em cada
movimento do corpo leve
fino cristal
tudo é voo e graça
os passos de ana botafogo riscam
arcos no infinito
como se desenhassem o mundo
com as pontas dos pés

o tempo esqueceu de passar
e aplaudiu a bailarina

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quinta-feira, 29 de julho de 2010

sábado, 24 de julho de 2010

COMUNHÃO

A Dom Paulo Evaristo, Cardeal Arns.


O pão ázimo
dos aflitos
amarga
em minha
boca.

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sexta-feira, 23 de julho de 2010

CAMÕES DE BOTEQUIM

Se, quando não se esquece, a dor se anunciasse,
A dor de dor se ter na certa nos movesse,
E a falta de doer talvez não mais doesse.
Que passe a se ter dor em tudo e tudo passe!

Viver-se apaziguado assim, e sempre nesse
Bem calmo estar-se e ter-se e dar-se apaziguasse!...
Mas se mais paz eu penso que acabasse
Num desespero mais que aquele que eu tivesse!

Dirão a mim: - Poeta, assim também não pode.
Se tens uma agonia, louva-na numa ode.
E se posto em sossego, num soneto o traga...

E eu direi a quem disser pra mim: - Não fode.
Que o espasmo de um poeta é feito em dor e chaga
E quem diz que não na própria cabeça caga.

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Paulo César Pinheiro,
Rio de Janeiro, Brasil
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segunda-feira, 19 de julho de 2010

ERA PARA SER UM POEMA DE AMOR

arrepia os acordes elos da espinhal-medula
tal abelha sem colmeia. carnívora
morde as pernas em toques de mel
explora jardins por um postigo a sul.

desconfio que tenho uma colmeia no meio do meu jardim.

um anel de azeviche enviado como prenda
lacre envelope branco emprenha
estreita fricha no postigo
sob o sol do teu meio dia
de lanternas maçãs maduras

então no trilho calmo de uma vasta curva
mudas de roupa, respingas dentes de rodízios
um sedar de treva-flor se avizinha
excelente trocar de cuecas para mochos.

desconfio que tenho um boticário no meio da minha cozinha

enxame secular
mordisca o ar
onde se escuta o entoar dos dedos gordos de um velho hipnotismo
marca inúmeros encontros comigo
telefónicas memórias adubam a minha terra já farta.

desconfio que tenho um saco de estrume no meio do meu caminho.

uma brisa beija violentas violetas calmamente
em ramos alaranjados a treva agreste
ao pé do quiosque da esquina
um jornal de folhas secas
sabem a jacintos.

como te sinto.

desconfio que tenho radares, bússolas, quadrantes,
sextantes, muletas e enxadas
que transporto nas bossas de camelo,
atiradas contra o disparate que não mais dá troco a de-
lírios,
pr'além dos espinhos das rosas que não forçam mais areia.

Estás aí? conhecer. Teu
marsupial coração que recolhe o essencial do que conheço.

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Maria João Mesquita,
Porto, Portugal
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HÁ UMA MULHER QUE TALVEZ ME AME

há uma mulher que talvez me ame
escondida numa cidade qualquer do meu país
não sei no entanto se terei tempo de amá-la
ou mesmo conhece-la
não a quero vítima do meu desassossego
se ao menos eu lhe soubesse o nome
ou o endereço - nem que fosse o de um parente próximo
escrevia pedindo-lhe que me esquecesse
gostaria de informá-la que tenho as malas feitas
basta um gole de coragem

há uma mulher que talvez me ame
mas eu não quero que ela siga o meu caminho
meus dias ficaram mais curtos - o que me põe aliviado
cansei das palavras que anos a fio me perseguiram
fartei-me de construir versos
formas/sílabas nada disso me interessa mais
tenho corredores imensos a percorrer
vou terminar no mesmo labirinto - sei disso

há uma mulher que talvez me ame
sem pedir qualquer ternura em troca
sem esperar que eu lhe dê sequer uma jóia barata
ou poemas que já não faço mais
arrependimento também não me pede
manda dizer que eu tranque minhas culpas no armário
e guarde o copo de veneno que tenho sobre o criado-mudo
para o 5º domingo depois de pentecostes

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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domingo, 18 de julho de 2010

MAIS HAI-KAIS

13.
ao ver-se no espelho do mar
a lua aproveita
para se masturbar
______

14.
nosso amor já era
o anel que tu me deste
eu perdi no riviera
________

15.
perco-me de vista
no breu deste silêncio teu
de monge trapista
________

16.
as bocas comeram
os dentes - agora como
roer as gengivas?
________

17.
humilhada a lesma
enfia-se entre as plantas com
nojo de si mesma
_________

18.
o trem se despede
apita e some levando
as coisas da infância
_________

19.
no rosto do velho
uma luz: é para a morte
enxergá-lo melhor

__________

20.
deem-me vinho e paz
fiquem com o resto - porque
o resto tanto faz
__________

21.
oh lança teu anzol
ao firmamento! tem calma
e fisgarás o sol
__________

22.
numa volta esbelta
a gaivota faz de conta
que é asa-delta
__________

23.
bravo meu poeta!
teu poema é belo como
gol de bicicleta
__________

24.
último cigarro...
noite fria... só desejo
retornar ao barro
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sexta-feira, 16 de julho de 2010

HAI-KAIS

1.
a flauta flutua
na pauta noturna traço
a clave de lua
______

2.
ganido vazio
o viralata fareja
estrelas no cio
________

3.
madrugada de abril
outono - o vento sem sono
lê o jornal do brasil
_________

4.
aqui jaz a ode
é fatal: - o poeta faz
mas também fode
__________

5.
ó rosa nômade
em pétalas maiúsculas
escrevo o teu nome

___________

6.
quimeras partidas
cacos de mim se esparramam
sinto-me náufrago!

___________

7.
ah cara-metade
como dormias profundo
no quarto-crescente!

__________

8.
facas de dois gumes
minha amada são estes teus
olhos vagalumes

__________

9.
as três marias são
reticências luminosas
no céu de dezembro

__________

10.
sob o luar verde
da lâmpada as mariposas
exibem seus leques

__________

11.
ritual de inverno
:a lareira que não temos
nos empresta o calor

__________

12.
meu olho-bússola
enferrujado aponta o
norte da loucura

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quarta-feira, 14 de julho de 2010

CEBOLA E TOMATE

este meu amigo português é um caso sério. some. e, quando volta, traz uma quitanda inteira. viva mario osorio! aqui vai dele:


por ela meu coração bate
ainda nem sei bem qual
cebola e tomate
cebola e tomate

há quem se perca por chocolate
outros limpam chaminés
- um homem mede-se pelo que traz nos pés -
cebola e tomate
cebola e tomate

e nisto toda a minha metafísica larga
toda a sciência em grande escala;
só ainda não meti na têmpora uma bala
por ver nela sério combate:
É que Napoleão - ele próprio - se fez à carga
por cebola e tomate

cebola e tomate


cebola e tomate

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Mario Osorio,
Lisboa, Portugal
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segunda-feira, 12 de julho de 2010

SOLILÓQUIO

carrego comigo algumas homenagens póstumas
que preparei com bastante antecedência
nunca se sabe o que pode acontecer amanhã
tenho temporais na gaveta da escrivaninha
atrás dos livros guardo algumas despedidas
olhares de adeus que nunca quis apagar da memória
lágrimas corrosivas que muitas vezes cegaram meus olhos
resistiram ao tempo - parece que as derramei ontem
não sei se é normal mas gosto de inventariar tristezas
o gosto amargo de certos dias ainda posso sentir na boca
da mesma forma que sinto beijos que deixei de dar ou receber
devia pedir mas não peço perdão por me maltratar tanto
quando o silêncio começa a incomodar
dou corda no currupião que tenho há anos
e ele canta e só eu posso ouvi-lo - ninguém mais
agora se for pra sentir medo que me venha de vez o pavor
sou feito de exageros e o pavor assusta mais que o medo
por isso vivo em sobressaltos
por isso acordo sempre com a sirene da ambulância nos ouvidos
ao lado da cama a enfermeira imaginária toma o meu pulso
se lhe faço uma declaração de amor ela pede que eu me acalme
na minha idade as emoções devem ser controladas
um susto qualquer susto pode ser faltal
por isso - eu imploro - não me beije agora
deixe pra depois - talvez

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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domingo, 11 de julho de 2010

A CANÇÃO DO FIM

há um cheiro de adeus em tua voz
há um gosto de dor em teu olhar
há uma lágrima perdida em tuas mãos
há uma distância sem fim do corpo teu
há um gesto perdido em teu silêncio
há um luto no azul desta manhã
há um ponto final sangrando em mim

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sábado, 10 de julho de 2010

QUEM ME PARIU...

Não! Não foram os raios que me pariram
naquela noite de ventos e águas.
Foste tu Mãe! Sozinha no quarto branco
com dores a rasgarem o céu.

De fêmea tornas-te mais mulher
quando tiveste a força da espada
e a certeza do poema,
enquanto os punhais te rasgavam o ventre.

E nasci da tua fortaleza
maior que os urros do vento
mais poderosa que a chuva
a estuprar os vidros.

Não! Não foram os raios que me pariram.
Foste tu Mãe! Com gritos a entrarem no mundo
e um azul do sul a chorar alegrias no teu cabelo.

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Eduarda Mendes,
Lisboa, Portugal
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quinta-feira, 8 de julho de 2010

SONETO DIRETO

o poeta é aquele bicho perdido
de si próprio sobrevive acuado
peca pois já nasceu arrependido
do pecado sem conhecer pecado

por tanto amar acaba desamado
e o pranto que lhe cai vem encardido
porque sempre o apanham desarmado
o que lhe torna a vida sem sentido

ao despencar nos braços da poesia
prática que requer isolamento
vira criança sem discernimento

manda a escanteio toda teoria
e põe-se a mastigar seu excremento
como se fosse a mais fina iguaria

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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PADRE OLAVO, O ASSASSINO DE DEUS

"Humano assim como ele foi,
só podia ser Deus mesmo."

- Leonardo Boff, teólogo e escritor,
definindo Jesus Cristo -


todos os domingos após a missa
padre olavo assassinava deus na sacristia
jesus cristo da cruz fingia que não via
e de certa forma sentia-se vingado como quem diz:
- "Bem feito! Pai desnaturado, por que me abandonastes?!"
depois padre olavo ia pra casa paroquial
e sem nenhum remorso fartava-se de comer
e ia dormir - não sem antes salmodiar:
"A boca do justo anuncia a sabedoria e a sua língua proclama o direito..."

padre olavo foi a alma mais pura que conheci
cria como ninguém na eternidade
de vez em quando traçava alguma beata
era o seu lado humano - sabia que deus perdoava sempre
assim como perdoou santo agostinho
da vida devassa que levava antes da conversão
quando padre olavo morreu
dona expedita jura que viu um anjo ao lado do caixão
dona iracema chorava copiosamente
dona rita também em lágrimas a consolava
seriam elas as mulheres piedosas de jerusalém em nova versão?
é possível... é possível...

todos os domingos após a missa
padre olavo assassinava deus na sacristia
hoje corre boato que anda a fazer milagres por aí
mas não conseguiu curar o reumatismo de dona eulália
que dizem praga de esposa traída
(dona eulália em moça dava-se a homens casados)
quando é assim não tem jeito
e pra piorar quem mandou a pobre envenenar o cachorro do sêo silvestre da padaria
só porque o inocente animal lhe estragava as plantas do jardim?

padre olavo tinha a alma imaculada das crianças

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quarta-feira, 7 de julho de 2010

POIS É BEM ASSIM

o poema
à revelia do poeta
entra na festa sem ser convidado
e escandaliza a todos
com palavras de baixo calão

o poema é uma pouca vergonha
diz sempre as coisas
em hora imprópria

:fala mal do governo
em pleno comício
fala mal do padre
no meio da missa
mexe com a mulher do próximo
e perturba o sono da vizinhança

por isso vivem por aí
execrando o poeta
chamando-o de agitador
de louco e parasita

o poema se ri de tudo isso
e escapa ileso da fúria popular
o poeta paga pelo poema
porque ninguém sabe
que o poeta é apenas
instrumento do poema

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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terça-feira, 6 de julho de 2010

TRÍPTICO

O retrato de Edith Stein em hábito carmelita
e o de Santa Teresinha do Menino Jesus
aos oito anos, sete antes de se fechar no mosteiro.

No meio deles, o teu
com o olhar dourado a indicar-me o portão de saída do paraíso.

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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POEMA COM SABOR A FEL

Ninguém pra me contar uma história.
Só este álcool a encardir o copo.
Saudade de tocar o ouro encaracolado dos teus cabelos.
O homem que fui esbarra na coisa que hoje sou.
Navios de culpas atracam diante dos meus olhos.
O mar que conheci ficava longe do pesadelo.

- Raios me partam! Caralho de vida!
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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segunda-feira, 5 de julho de 2010

Chiste riste

Cavalgando gata no cio
Veste a plumagem tigresa
Cantigas de menino vadio
Desperta a siamesa tesa
Arrepio no golpe fatal é chiste
Investiga a carne humana riste.

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Diana Balis,
Rio de Janeiro, Brasil
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PEQUENO CONTO QUASE INFANTIL

amavam-se perdidamente
amavam-se loucamente
amavam-se cegamente
amavam-se infinitamente
mas de tanto mente mente
deu-se que o amor caiu doente
e um dia morreu de repente

ela virou uma gata
e vive a miar pelos muros
ele transformado em sapo
coaxa nos brejos escuros

mas voltando ao mente mente
o certo é que ela gata
o certo é que ele sapo
tocaram a bola pra frente
ela nos muros ele nos brejos
nenhum morreu felizmente

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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domingo, 4 de julho de 2010

BAR

para Maria Luíza e Berg


entre goles & gols
o traficante & o juiz
discutem as bem-aventuranças

a garçonete vira bündchen
nos olhos encachaçados
do publicitário decadente

paixões antigas
fazem o proxeneta tropeçar
em sonhos de porcelana

a musa antiga canta
depois do penúltimo dry-martini
sobe na mesa - despe-se
grita por um certo alfredo
dizendo que se vai matar

pastéis
linguiças & torresmos
envelhecem na estufa

amores que nunca foram - sangram


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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sábado, 3 de julho de 2010

NA SEÇÃO DOS DESAPARECIDOS

Para Você

sem a gramática dos teus olhos
meu poema fica ainda mais pobre
vou ao jornal procurar-te na seção
dos desaparecidos hoje tão rara
e o retrato que encontro logo acima
é o da alegria que tive um dia
como envelheceu - meu deus!
quase não a reconheci
não fosse aquela cicatriz
um pouco abaixo do meu olho esquerdo

03-06-10
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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LITANIA PARA SOLANO TRINDADE, O VENTO FORTE DA ÁFRICA (*)

"Trem sujo da Leopoldina
correndo
correndo
parece dizer
tem gente com
fome
tem gente com
fome
tem gente com
fome
Piiiiiiii
(...)
mas o freio
de ar
todo autoritário
manda o trem calar
Psiuuuuuuuu

(Solano Trindade)


tem gente com fome
solano solano
tem gente com fome
tem negro tem branco
tem branco tem negro
solano solano
morrendo de fome
no chão do brasil
tem gente com fome
no chão desta pátria
patriamada brasil
mas nem sempre solano
mãe tão gentil

tem gente doente
tem gente demente
tem gente que mente
promete pro povo
mas foda-se o povo
que o povo é estorvo
tem gente morrendo
partindo partindo
no bico do corvo

solano solano
passa mês entra ano
e o brasil continua
a ser um engano
tem negro tem branco
tem branco tem negro
só respirando
o ar podre dos dias
solano solano
tem gente indigente
coberta de trapos
dormindo nas ruas
no meio dos ratos
tem gente morrendo
tem gente matando
tem gente mentindo
sem crescer o nariz
passa mês entra ano
sola solano
isto aqui é um país?
- não!
o brasil é um engano
um passarinho me diz

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(*) Solano Trindade (1920-1974) poeta, artista plástico, ator e ativista político, foi dos mais significativos intelectuais negros do nosso tempo. Sempre precupado com as questões da sua gente, lutou, com extrema coragem, contra o preconceito, o que lhe custou diversas prisões. Viveu algum tempo no município do Embu, na Grande São Paulo, hoje Embu das Artes. Morreu pobre, quase esquecido. Sua filha, a atriz Raquel Trindade, que seguiu o mesmo caminho do poeta, mora no mesmo Embu das Artes, onde cuida da Fundação Solano Trindade.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

NECROLÓGIO

piauiense
57
chamava zé

morreu de chagas
na santa casa

em cova rasa
sem uma roaa
foi enterrado
no da formosa

não deixou bens
não deixou filhos
e nem mulher

conforme disse
o declarante
primo distante
também josé

também qualquer

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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SEDUÇÃO

- À moda de
Dalton Trevisan


o desprezo
de joão
engravidou
a angústia
de maria

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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SILOGISMO

Em comum a mesma dor de corte fundo.
Cada qual com sua canga,
Homem e boi nada esperam deste mundo

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quarta-feira, 30 de junho de 2010

QUASE UMA BIOGRAFIA DO POETA

para a minha amiga lúcia elena (assim mesmo sem h), a lucinha - consagro

"Se a vingança encara,
O remorso pune..."

Paulinho Pinheiro e Maurício Tapajós - na época da dita



venho de uma geração de poetas loucos
que já não padeciam mais de luas cheias
porém mesmo assim iam-se matando aos poucos
em versos surrados nas grades das cadeias

e venho filho de uma geração perdida
e de boca calada pela ditadura
sou brasileiro de uma geração fodida
peço perdão se trago rimas sem candura

bem minha mãe dizia - é melhor ser padre
do que levar a pecha de subversivo
mas que culpa tenho se sem vocação comadre
vim parar num mundo assim meio que explosivo?

agora nada tenho só por culpa minha
mas na briga sou pior que galo na rinha

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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terça-feira, 29 de junho de 2010

MELANCOLIA TALVEZ

Para Juliana

"Somos todos prisioneiros das nossas origens."
- E.M. Cioran -


minha mãe nunca ouviu falar em voltaire
nunca leu proust e nem sartre
jamais se chocou com o retrato de dorian gray
porque ignorava oscar wilde
da minha poesia ela também não gostava
- Te criamos com todos os mimos e você está sempre
revoltado, e ainda deu de escrever palavrões. Quem vai ler
isso?

de minha mãe o que sei é que - além de me por no mundo
por uma trepada talvez mal dada -
foi a mulher mais bonita do bairro
arrancada do cinema onde fez dois filmes
pelo machismo do meu pai:
- Toda atriz é puta - ele dizia, bebendo as pernas de odette lara

quando nasci prematuro
- tirado a fórcepes -
minha mãe me colocou o nome dos dois avós
o júlio eu tolerei e o carrego até hoje
o carlos eu aboli - não tinha efeito poético
minha mãe morreu sem me perdoar por isso
mas meu avô carlos como bom português
por certo fez que entendeu

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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CANTIGA PARA UMA AUSENTE



"Até que o amor nos dividiu
O amor parou
Ela seguiu
Sem compaixão de me deixar
Com esse amor que é de assustar..."

A Grande Ausente,
versos do poeta Paulo César Pinheiro
com melodia do maestro Francis Hime



pois até tua ausência é doce amiga
que se danem minhas penas no inferno
se nas notas desta minha cantiga
o meu amor ainda é sempre eterno

mas se a poesia por mal me intriga
pelo mais sagrado me não consterno
e lento bebo esta sorte inimiga
dando-te em paga meu olhar tão terno

e é nessas horas que me tranco de mim
erro nas sílabas caio do verso
no teu mundo bordo meu universo

sempre esperando minha hora do fim
e comigo eu já nem mesmo converso
por que esta vida há de ser sempre assim?

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sábado, 26 de junho de 2010

UM POEMA DE RICARDO SOARES, MEU AMIGO (*)

Eu broto do meio da marginal congestionada
a fina flor da maçada
paulistana a criar galhos
entre os edifícios e os trens cheios
que partem para Francisco Morato...
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Ricardo Soares,
São Paulo, Brasil
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(*) Além de jornalista e meu amigo de
mais de trinta anos,Ricardo Soares,entre brigas e bebedeiras
- ele não bebe como eu -, é escritor e poeta.
Pai do Guilherme. Publicou vários livros, muitos
para crianças - coisa que eu não tenho talento, entre eles
O Brasil é feito por nós?, já em várias edições. O texto
que aqui publico é roubado, sem o consentimento do
autor. Ia usá-lo como epígrafe de um poema que pensei.
Mas gostei tanto que temi assassiná-lo.
Ricardinho, um beijo.

sábado, 19 de junho de 2010

CONVIDO-TE...

convido-te a passear pela aurora
antes que o dia chegue e estrague tudo
trazendo chuva fina fora de hora
no rosto cinzento de um céu sisudo

convido-te a sair infância fora
entrar no castelo do rei barbudo
saudar à rainha boa senhora
consultar o mago que é surdo-mudo

convido-te como o infeliz que chora
o choro compungido o pranto agudo
de quem mal chegou mas já vai embora
levando pressa no passo miúdo

convido-te - precisa ser agora
antes que o dia chegue e estrague tudo

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sexta-feira, 18 de junho de 2010

TODA ESTA CASA

toda esta casa
toda esta alma
cabem na palma
cabem na asa

todo este drama
todo este espanto
cabem num canto
qualquer da cama

o olhar ferido
do espelho corre
(quem o socorre?)

já sem sentido
só um gemido
da boca escorre

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Júlio Saraiva,
São Paulom, Brasil
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quinta-feira, 17 de junho de 2010

BOTEQUIM

Manejo de pratos
Laços fartos
Cachaça com limão
Samba canção
Saudade dos amasios

Diana Balis, Rio de Janeiro, 29 de maio de 2010

segunda-feira, 14 de junho de 2010

POEMA DA DIFAMAÇÃO DO POEMA

o poema deixa-se esparramar
na poltrona rasgada
imprestável
destinada ao lixo


última flor do lixo o poema

a merda sente nojo do poema
embora o poema seja a alma podre da merda

o poema faz um tour pela cracolândia de sampa
o poema desaba
na sarjeta
o poema grita pela boca
dos que
desabam
na sarjeta

o poema respira o hálito que sai
da boceta da puta mais fodida do parque dom pedro

o poema atravessa a zona do mercado municipal
o poema vai desaparecer
definitivamente
nas águas do tamanduateí
numa sexta-feira à tarde
debaixo
de um temporal

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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LITANIA

meu amor é fúria
meu amor é fera
meu amor é farra
meu amor é força
meu amor é farsa
meu amor disfarça
e vê se eu tô lá fora

meu amor não finjas
meu não forjes
meu amor não fujas

meu amor é trova
meu amor é trevo
meu amor é travo
meu amor trovão
meu destrava
esquece a chuva fina
meu amor de tempestade
meu amor de furacão

meu amor de anteontem
meu amor de amanhã ser
meu amor... amanhecer

13-06-10
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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MÁRMORE

a beleza pálida das antigas noivas mortas...


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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sábado, 12 de junho de 2010

SONETO PASSADISTA

venho aos tropeções lá do meu passado
as lembranças que trago são ruínas
restos do que deixei pelas esquinas
luz morta de um olhar despedaçado

trago no bolso o pavor do enforcado
mais um destino feito de mil sinas
duas navalhas com lâminas finas
nas minhas mãos os frutos do pecado

de mim mesmo nada tenho a oferecer
meu pouco de bom foi parar no lixo
meu são francisco até fugiu do nicho

porque por mim nada tinha que fazer...
hoje respiro apenas por capricho
ou - quem sabe? - por vergonha de morrer

12-06-10
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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sexta-feira, 11 de junho de 2010

ÀS VÉSPERAS DOS SEUS OITENTA ANOS, O MAIOR POETA BRASILEIRO LEVA O PRÊMIO CAMÕES

Não há o que contestar. O maranhense Ferreira Gullar, pseudônimo literário de José Ribamar Ferreira, é o maior poeta brasileiro em atividade. Ele vai completar 80 anos no dia 10 de setembro. Mas, como suas últimas aparições públicas revelam, continua com a mesma disposição do menino que um dia saiu da sua São Luís com destino ao Rio de Janeiro, para receber um prêmio de poesia, e acabou ficando. No dia 31 de maio, Ferreira Gullar foi anunciado ganhador da vigésima segunda edição do Prêmio Camões, a mais importante láurea concedida a escritores de língua portuguesa.
Cabelos brancos cobrindo parte do rosto magro, Gullar ainda lembra o Periquito, como era chamado pelos amigos de infância e adolescência, na histórica São Luís, capital do Maranhão, estado que ao lado do vizinho Piauí, é apontado o mais pobre do Brasil.
Ferreira Gullar é mais um José Ribamar no Maranhão. E explica-se. O nome grassou por aquelas bandas por conta de uma imagem de São José encontrada por pescadores boiando nas águas do mar. Os padres, na época, tinham a artimanha de atirar nos rios e também no mar imagens de santos. Logo que eram achadas, a notícia se espalhava. O povo via o fato como uma graça divina, e os religiosos aproveitavam-se para erguer igrejas no local, exemplo semelhante ao que ocorreu na cidade de Aparecida do Norte, em São Paulo. Como a imagem de São José foi encontrada sobre as águas salgadas, vem daí o nome Ribamar - riba, em cima - ribamar em cima do mar. De lá até hoje, mais da metade dos meninos nascidos no Maranhão passaram a se chamar José Ribamar, entre eles o nosso Periquito e também o ex-presidente e atual senador José Sarney.
- O senhor é o poeta Ferreira Gullar?, perguntou uma moça ao vê-lo caminhando pelas ruas do Rio de Janeiro.
- Às vezes, ele respondeu.
Em entrevista concedida recentemente à TV Cultura de São Paulo, Gullar explicou:
- Não sou poeta vinte e quatro horas por dia. Sou José Ribamar. Jornalista de profissão.
Jornalista, crítico de artes plásticas, ensaísta e dramaturgo, além de poeta - claro -, Ferreira Gullar é uma das maiores inteligências brasileiras. Inteligência, porém, que o governo da ditadura militar, implantada no Brasil em 1964, como manda a lógica em se tratando de militares, não reconheceu.
Gullar foi preso. Amargou exílio no Chile, Rússia e Argentina. Para sobreviver, dava aulas particulares de português. Quando regressou ao Brasil, ainda foi e submetido a longo interrogatório policial. Coisas dda ditadura.
Seu primeiro livro, Um Pouco Acima do Chão, é de 1949. Mas a fama mesmo viria na década de 50, com A Luta Corporal, que, para espanto do poeta, numa livraria do Rio foi colocado na parte de livros esportivos por total ignorância do funcionário da casa.
De espírito inquieto, sempre disposto a renovar, Gullar fez diversos experimentos com a poesia. Passou pelo concretismo, criou o movimento neoconcreto e escreveu também poesia de cordel. Mas foi no exílio em Buenos Aires, depois de dois anos sem escrever uma única linha, o que o levou a um pesado estado de depressão, que ele concebeu a sua obra mais importante - Poema Sujo, no qual narra toda a sua trajetória por São Luís. Reconstrói, como quem pinta uma tela com palavras, toda a cidade histórica onde nasceu e passou a infância e a adolescência.
Gullar achava que ia morrer. Poema Sujo, considerado um dos maiores poemas épicos da língua portuguesa, é quase uma espécie de testamento do poeta. Coube a outro poeta, Vinícius de Moraes, o privilégio de conhecer em primeira audição os versos do amigo exilado.
Numa fita cassete, com Gullar declamando com sua voz forte e o carregado sotaque nordestino, Vinícius trouxe o Poema Sujo, escrito entre maio e outubro de 1975, para o Brasil. Foi uma audição seleta. Ênio Silveira, da editora Civilização Brasileira, logo tratou de publicá-lo, mesmo sabendo que poderia ter problemas com o governo da época.
Ferreira Gullar é o nono brasileiro a receber o Prêmio Camões, instituído em 1988, em comum acordo entre os governos brasileiro e português. O primeiro a conquistá-lo foi o português Miguel Torga.


TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão;
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera;
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

- FERREIRA GULLAR, in Na Vertigem do Dia -


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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quarta-feira, 9 de junho de 2010

DOIS NOTURNOS

I

o bêbado
vomita uma rosa
na esquina
põe-se de joelhos
e agradece aos céus
pelo milagre
depois sai dançando
sob um guarda-chuva
de infinitos

II

o que existe é o silêncio
pesado
inchado como nuvem grávida
de temporal
por mim saía pela noite
assobiando assobiando
até me perder
nos cus de judas

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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SONETO DESENCONTRADO

vosso macio casaco de carne
meu espatifado silêncio de ossos
vossos olhos desafio das trevas
meus passos cegos a implorar uma luz

vossa ternura de flautas na noite
meu pássaro que se enforcou no cantar
vossos códigos de maduras marés
meu correr dáguas de rios cansados

vossos países saídos dos contos
meu trem de ferro fugindo dos trilhos
nossa distância sempre mais distante

vosso natal vossa missa do galo
meu finados minha missa de réquiem
nosso partir - um ao outro: até nunca!

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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terça-feira, 8 de junho de 2010

COMO QUALQUER COISA

não me apresentes amor
como qualquer coisa
não ajas assim amor
como ladra
silêncio a bem do futuro
não tarda
sai de cima do muro
se guarda
logo o fruto fica maduro
me aguarda
se a dor for arder assim
não arda

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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segunda-feira, 7 de junho de 2010

TALVEZ UM SONETO DE BOTEQUIM

ontem ana pensei em cortar os meus pulsos
e morrer em sossego e só mais uma vez
e ver de mim todos os fantasmas expulsos
entregar-me à minha morte em total lucidez

um dia bem até que tentei ser poeta
a rima me vinha de repente num piscar
logo inventava uma qualquer paixão secreta
mas depois ana dava de me faltar o ar

é que em seguida ana eu sempre me perdia
e pra poder chorar tornava-me criança
chorava assim tão fácil por qualquer lembrança

que tenho na tristeza a derradeira herança
desta minha vida tão pobre tão vazia
que mesmo respirando morro a cada dia

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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Amor afetuoso

No carinho do aconchego

O colo é ameno sossego

No abraço acalentador

Aguardo o momento de amor



Nos refúgios silenciosos

Dos olhares maliciosos

Sinto o presente galanteador

O calor da paixão é frescor



O tempo é entregue ao adorar

Vivido no horizonte ao entreluz do luar

Ao encontro da maré cheia ancorar.


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Diana Balis,
Rio de Janeiro, Brasil
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BALADA EM VERSOS BRANCOS DO SER E DA MORTE

"caminho nos silêncios da casa
e na perseguição da luz
o olhar acende o pó da mobília."

- José Félix, in Teoria do Esquecimento -


não! a casa não é o que pensas
e nem onde sonhas morar
a casa é só um lamento
teu uivo de loba assustada
a casa em seu todo nada nos oferece

se me emprestasses um suspiro teu
por acaso eu ia dormir feliz
fazendo de conta que o vento
me veio contar uma história

era uma vez qualquer coisa...
e o final - ana - era quase sempre feliz

era uma vez ana
quando um dia segurei o teu queixo
e tu me devolveste um sorriso
foi numa quarta-feira de cinzas

era uma vez ana...

e havia no meio da história
um coelho que era dentuço
morreu na semana santa
traiu são judas tadeu
e vê só aí no que deu

era uma vez ana
um poeta a perder de vista
a morrer de medo
sem ter o olhar de drummond
sem a qualidade de bandeira
sem o deboche de o'neill

era uma vez uma praga
mas não deves dizer nada a ninguém
(guarda a rosa em segredo)


Oferenda:

era uma vez eu mesmo


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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sábado, 5 de junho de 2010

11.

11.


se quiseres reinvento-te no espelho
ou numa tela de pintura
por muitos restos de pincel ou tinta
que fique no quadro e na sombra do vidro
o viço do teu olhar continua a ter
a transparência da água
que o tempo fixa e se reflecte em mim.

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José Félix,
Luanda, Angola
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terça-feira, 1 de junho de 2010

Amar é linha!

Vamos
Pular
Corda?
A Fogueira
Do João
Corta
Pão,
Maria faz o
Angu?
E na
Gangorra
Escorregador!
Cai cai
O Balão,
E puxa
A rabiola
Da Pipa?
Subindo no
Alpinismo
Inflável,
O algodão é doce,
A pipoca é salgada.
Perna de pau,
Bamboleia!
Juntos no
Pingue
Pongue.
Na luta de gel,
O carrossel
Gira,
Vamos
Rodar
A Baiana?
Ou cair
Na piscina
De
Bolinhas?

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Diana Balis,
Rio de Janeiro, Brasil
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NA INTIMIDADE COM DEUS

"deus não dorme" - dizia minha mãe
(e deus era sempre vigilante)
eu nos meus sete anos sentia pena de deus
e ia dormir com os anjos
e sonhava também com os anjos
e sentia muita pena de deus

(como pode alguém não dormir?
como pode alguém mesmo sendo deus
ficar tanto tempo acordado sem sentir
náuseas/dor de cabeça?)

tá certo que descansou no sábado
aprendi depois
quando estava mais crescido
mas mesmo assim deus dormiu um só dia
depois de criar o mundo
trabalho pra lá de danado

(como pode? quem não dorme não sonha
assim deus apesar de ser deus também não sonhava
mas eu nos meus poucos sonhos que poucos sonhos não eram
sonhava com as pernas de ana
e maculava meus lençóis de pecado
mas como deus por ser deus não sonhava não porque fosse deus
e sim porque não conhecia a intimidade morena
das pernas morenas de ana)

"deus não dorme" - minha mãe repetia
e eu homem feito e crescido
agora não dormia também
doente de tanta insônia (seria a insônia de deus?)

deus não dorme - penso eu que não creio
hoje homem já velho
que não tenho mais sonhos no mundo
e nem me lembro das pernas de ana
e passo as noites em claro
andando de um lado pro outro
fumando um cigarro após outro
entendo a insônia de deus
e lhe vou fazer companhia

deus não dorme
eu também não
(será castigo pelos sonhos que eu tinha
com as pernas morenas de ana?)

- mas meu deus! as pernas morenas de ana... ah isso já faz tanto
tempo...

deus não dorme

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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segunda-feira, 31 de maio de 2010

5 DÚVIDAS INÚTEIS

1.

como será o azul
do céu de seul?

2.

e se eu me atirasse deste viaduto
minha namorada vestiria luto?

3.

que pensarás tu amor se me vires
perdido e só nos arcos do arcoíris?

4.

que mal faz ao crítico
o poeta lírico?

5.

sem remo sem rumo como navegar
agora júlio velho lobo do bar?

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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BRINQUEDO

cata
vento
cata
brisa
cata
chuva
cata cata
temporal

cata
sombra
cata
noite
cata cata
tudo igual

cata
amor
cata
medo
cata
tempo
cata
morte
cata cata
catavento

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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domingo, 30 de maio de 2010

treino

Ola exercício número um
Exame vestibular
Prova difícil
Errei tudo
Zero
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Diana Ballis,
Rio de Janeiro, Brasil
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sexta-feira, 28 de maio de 2010

SONETO DE JÚLIA

flor da manhã invadiu o poema
é que me perdi nos caminhos de mim
e se vou ronco e durmo no cinema
é porque do filme não me importa o fim

não estou pra nenhum telefonema
a minha voz tão velha e rouca é ruim
tropeço na rima e fujo do tema
por que minha vida há de ser assim?

desregrada e sem qualquer noção de hora
e desabo no escuro do meu verso
e chegando estou sempre a ir embora

fio de sonho nenhum mais tenho agora
a sós com meus fantasmas eu converso
deixo-te este soneto - e noves fora

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quinta-feira, 27 de maio de 2010

1 POEMA EM PORTUGUÊS DA GALIZA

de loito cuberta
a noite
cando as auguas non cantan
nas soaves cordas
do vento


e un páxaro polo meu peito
cal lobo famento
arrincame o pensamento
pola lengua que eu falo


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Xavier Zarco,
Portugal
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terça-feira, 25 de maio de 2010

Manhã

O sol navega nas nuvens que o espreitam
O menino pede pão na manhã dos transeuntes
A carroça passa cheia de resgate do lixo
O cavalo parece desconhecer a cidade do Rio de Janeiro
Os camelos já preparam suas barracas na Cinelândia
Berço de políticos, e quem sabe poetas boêmios sambistas
A cidade é azul como um cordel de bandeiras em festa
Miro está de passagem à espera do futebol
Brasil! Grita o bêbado sem noção na Praça Tiradentes
O jogo acabou, responde à senhora impaciente
O vento sopra noroeste e o sul fica longe pacas
A moça sentada na praça, dá comida aos pombos, que desgraça!
A cachaça acabou, caímos todos nas areias de Ipanema
O mundo entre duas montanhas sempre soa suave
O povo despede das caminhadas ao trabalho diário
Venhamos nós que esse Reino é de todos
Vai para casa, circulando, o tempo é outro seu guarda
Mas a lembrança, conservo na caixinha de música
Toca e dança a bailarina do teatro Municipal
O sino da Igreja São Francisco Xavier badala
Acorda mãe! Já é hora de levantar!

Diana Balis em dias comuns. Rio de Janeiro,25 de maio de 2010.

sábado, 22 de maio de 2010

NA MORTE DA MINHA MÃE

Numa tarde de janeiro, entro na unidade de terapia intensiva de um hospital. Minha mãe está quase morta. Entubada. Os olhos já não abrem. Em vão, tento reanimá-la: "Mãe, sou eu."
Os olhos cada vez mais cadavéricos continuam sem brilho. Há um homem ao lado também agonizando, no mesmo final que ela. Peço à enfermeira, uma menina loura e bonita, que me deixe descer um pouco para beber alguma coisa.
A filha do homem, que também agoniza ao lado, desce junto e pede um café. Sabemos que o final dos dois será o mesmo. Só não sabemos o destino, o cemitério Serão caminhos diferentes que o carro fúnebre irá levar
. A menina volta à uti, aperta a mão do pai em agonia. Já não faço o mesmo com a minha mãe. Mas lhe beijo a face quase fria. Está morta. A enfermeira loura me diz que o médico quer falar comigo, porém teme minha reação.
Eu peço a ela que o deixe vir. Desce um moço recém-formado. Sirvo-lhe de pai. É taxativo comigo:
"Eu não posso fazer mais nada. Os rins estão paralisados. Os pulmões parados. Ela vai morrer."
Para o espanto do jovem médico, que assinou o óbito, eu digo:
"Por favor, desligue tudo. E dê a ela uma morte digna."
Ele me responde que não pode fazer isso, mas meia hora depois me liga:
"Sua mãe entrou em óbito."
Claro que fez o que devia fazer. E o fez com sua dignidade ainda de menino.
Saí de volta ao hospital. Olhei minha mãe no necrotério. Pedi que lhe descobrissem a cabeça. Só queria ver o rosto. Ainda era belo. Quando lhe veio o caixão, pedi apenas que lhe quebrassem os ossos. O corpo estava muito inchado. Não podiam fazer. Trocaram o caixão. Voltei pra casa. Quando fui ao velório, chorei um pouco escondido. E percebi,pela primeira vez.  Percebi, que já tinha cinquenta e três anos. Era um homem feito.

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quinta-feira, 20 de maio de 2010

Pássaro Preto

Numa festa o vi passar
Era de fazer pensar
Olhei cabisbaixa, nem ligou
Rente, segue em frente, voou
Lá vai seu Doutor!
Arrasou o encantador
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Diana Ballis,
Rio de Janeiro, Brasil
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SILOGISMO

Em comum a mesma dor de corte fundo.
Cada qual com sua canga,
Homem e boi nada esperam deste mundo.

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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POEMA

no espelho Alice clama por liberdade
dá uma cambalhota
quebra as amarras
manda à merda o coelho
e me convida pra farra

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Rosangela Borges,
São Paulo, Brasil
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A FLOR E O ESPINHO

Tire o seu sorriso do caminho
Que eu quero passar com a minha dor
Hoje pra você eu sou espinho
Espinho não machuca a flor
Eu só errei quando juntei minha alma à sua
O sol não pode viver perto da lua
É no espelho que eu vejo a minha mágoa
A minha dor e os meus olhos rasos d'agua
Eu na sua vida já fui uma flor
Hoje sou espinho em seu amor...

http://www.youtube.com/watch?v=lFYDp0jhrhw


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Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito e Alcides Caminha,
poetas e compositores populares, Rio de Janeiro, Brasil, Mundo.
Não coloco a música, que é linda, e nem  a foto dos três, porque
não sei colocar. Sou péssimo em computador.
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DESENCONTRO

A sua lembrança me dói tanto
Que eu canto pra ver
Se espanto esse mal
Mas só sei dizer
Um verso banal
Fala você
Canta você
É sempre igual
Sobrou desse nosso desencontro
Um conto de amor
Sem ponto final
Retrato sem cor jogado aos meus pés
E saudades fúteis
Saudades frágeis
Meros papéis
Não sei se você ainda é a mesma
Ou se cortou os cabelos
Rasgou o que é meu
Se ainda tem saudade
E sofre como eu
Ou tudo já passou
Já tem um novo amor
Já me esqueceu

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Chico Buarque de Hollanda,
do Brasil, do Mundo
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segunda-feira, 17 de maio de 2010

A LUZ

Devagarosa a luz,
a luz, tão negra, vacila, cai
de bruços derreada:

arrefece o olhar,
rasura, cega; e pára, brusca-
mente: ao rés do nada.

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Domingos da Mota,
Vila Nova de Gaia, Portugal
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RELAÇÃO DE ALGUNS BENS DO POETA

uma pilha de poemas impressos
outra dos que foram perdidos
e mais outra dos que ficaram por escrever
uma prateleira com sonhos queimados
quarenta e cinco amores frustrados
um relógio sem ponteiros
um gato imaginário que mia em silêncio
um pássaro empalhado com a asa esquerda  partida
uma mala de couro pronta para a viagem sem volta

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sábado, 15 de maio de 2010

MODINHA OU NO CAMINHO DE DRUMMOND

A partir do poema Também já fui Brasileiro, de Carlos Drummond de Andrade


eu queimei o tempo
como quem brinca de roda
como quem joga pedra
no telhado do vizinho
eu queimei o tempo

eu me afoguei na lua
astronauta sem vocação
fui procurar são jorge
só encontrei o dragão
eu me afoguei na lua

eu dancei com a dama de paus
num baile de debutantes
mas antes do fim do baile
a dama desencantou
eu dancei com a dama de paus

eu fui poeta aos vinte anos
quando todo mundo é poeta
pensava um sorriso de moça
e a poesia me vinha no ar
eu fui poeta aos vinte anos

eu queimei o tempo
eu me afoguei na lua
eu dancei com a dama de paus
eu fui poeta aos vinte anos
eu fui e fiz tanta coisa
que hoje me dá pena lembrar

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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sexta-feira, 14 de maio de 2010

MEMORIAL

"Sei de passado e de porvir, quanto um homem pode saber.
Conheço enfim o meu destino e a minha origem.
Nada me sobra para profanar, nada para sonhar."

- Giuseppe Ungaretti -


nada mais espero de mim
nada mais espero de ti
a manhã que acontece lá fora
é igual a todas as outras que vivi

um poeta não se constrói apenas
com boas intenções
também o amor não vive
só de boas intenções

perdão: não me interessa mais
saber que dia é hoje
da janela vejo com tristeza
as crianças que brincam na praça

hoje entendo que a minha poesia
foi um exercício de inutilidade plena
vivi meio século dividido
entre o ócio e o desespero
desci ao inferno várias vezes
fui o morto esquecido que ninguém reclamou

abusei de mim quando não devia
demorei a descobrir que em todos os carnavais que inventei
fui eu apenas eu o grande folião
o destaque maior  dançando comigo mesmo
nos bailes de mascarados

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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quinta-feira, 13 de maio de 2010

31 DE MARÇO DE 1974, NO 10º ANIVERSÁRIO DA DITADURA MILITAR NO BRASIL

"Brasil, ame-o ou deixe-o."

- slogan criado pela ditadura militar -


mas que me importa a roupa suja do poema
espalhada pelo chão do quarto de dormir?
a minha vida tá por um telefonema
bosta! - fala que eu não tô desisto de existir

agora esquece: se esconde em qualquer cinema
e caso a pipoca esteja dura de engolir
avisa que eu saí na Banda de Ipanema
tomei além da conta só pra me distrair

porém se a polícia bater na tua porta
ninguém nunca me viu nem ouviu falar de mim
não sabes baby como isso me desconforta

põe fogo nos livros  dói mas tem de ser assim
chegou tarde tarde demais inês é morta
vou m'embora correndo pra guajará-mirim

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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ENCANTE

Tudo o que em Kant é beleza
É-o por natureza
Do amante.

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Mário Osorio,
Lisboa, Portugal
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quarta-feira, 12 de maio de 2010

POEMA SOBRE UM POEMA DE ANNA AKHMÁTOVA (*)

Canção da Despedida

Não ri e não cantei:
fiquei o dia inteiro calada.
Mais do que tudo queria estar contigo
de novo desde o começo.
Irrefletida a primeira briga,
absoluto e claro delírio;
silenciosa, insensível e rápida,
nossa última refeição.

Anna Akhmátova,
tradução do russo por Lauro Machado Coelho


não há motivo pra chorar agora
: a última refeição ficou esquecida sobre a mesa
nossos silêncios reclamavam nossas ausências
no entanto estávamos lado a lado
levo minha roupa amassada na mochila
o mais difícil será esquecer a capacidade
que tínhamos de sorrir por qualquer bobagem
(de agora em diante prometo deixar de gostar de
berinjela ao forno só pra não sentir o sabor ruim
da tua saudade)

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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(*) Anna Akhmátova (1889-1966), pseudônimo literário de Anna Andrêivna Gorienko, foi da vozes mais significativas da poesia russa moderna. Mesmo contrária à revolução bolchevique, Anna sempre mereceu respeito e carinho de seus pares de ofício, simpatizantes ao novo regime. Perseguida, várias vezes, e tendo chance de fazê-lo, foi aconselhada a deixar o país. No entanto, ela jamais se afastou da Rússia, mesmo tendo marido e filho presos e desaparecidos na Sibéria.

terça-feira, 11 de maio de 2010

RESPONSO I

A cor roxa dos cuidados
bate à porta para
anunciar quaresmas.

A cor roxa dos  cuidados
fala pela boca
álgida do medo

(O medo é sonâmbulo como os rios...)

A cor roxa dos cuidados
recita o Dies Irae
e os cães ladram

A cor roxa dos cuidados
está sempre a nos dizer
                        - Cuidado!

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Júlio Saraiva,
São Paulo, Brasil
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